sábado, 7 de dezembro de 2013

Pequenas coisas


São geralmente as pequenas coisas que nos impelem para decisões.

Ao contrário do que nos é ensinado pela literatura, pela música, pela dança ou pelo cinema, do udo se acumulou em aparente ete amaranhado sem lgo desfocado.
ma obra pouco est porcas e os parafusos, precisamos de prestar não são os grandes momentos que  normalmente nos fazem pensar ou reflectir. São as pequenas coisas, ou, talvez melhor dito, o seu acumular.
É certo, a perda de alguém que nos é importante, o alcançar de um objectivo para o qual se trabalhou muito, o casamento nosso ou de amigos ou de quem nos é próximo, são acontecimentos marcantes para qualquer ser humano. Não neguemos o óbvio. Mas não ignoremos o que é igualmente evidente: que a vida é mais feita de pequenas coisas, de pequenos momentos do que dos outros, esses, os monumentais, bons ou maus. E são os detalhes que nos podem fazer inverter direcção, escolher outros caminhos, ou tomar a decisão que se adia, aquela que está dentro de nós há semanas, meses ou anos, que sabemos que um dia estará amadurecida o suficiente para se dar o passo em frente.

Na maioria das vezes, passamos o nosso quotidiano sem pensar nessas pequenas coisas.  Passamos os dias centrados no que nos parece ser o grande plano, e sem nos darmos conta, os aparentemente menores tornam-se quase obsessões. Cada vez mais acho que o dito grande plano raras vezes existe, ou melhor, existe enquanto colagem dos mais pequenos, que ignorados prolongadamente podem tonar-nos azedos e infelizes.




E, repetindo-me bem sei, por vezes, quando já estamos a meio do caminho, apercebemo-nos que os pequenos planos são muito mais importantes, são as porcas e parafusos do outro plano, aquele que disse que era grande. E como as porcas e os parafusos, precisamos de prestar atenção, porque se não bem apertadas ou colocadas no local correcto, pode tornar-se numa obra pouco estável. E nesse momento, voltamos a prestar atenção  aos detalhes, às pequenas coisas, aos pequenos momentos, às nossas “porcas e parafusos”, aos pequenos planos, porque o grande se tornou algo desfocado.

E é nesse momento, sem se saber exactamente como aí se chegou, quando udo se acumulou em aparente emaranhado sem lógica, tomam-se decisões, e não há outro hipótese senão executá-las. 

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Dos encontros


Este ano foi ano de visitas. Não diferente dos outros, mas com visitas que não vieram em trabalho, ou apenas em trabalho. Tive duas visitas em particular que despoletaram este texto. Amigas que, num salto de coragem, estão a viajar pelo mundo, tendo-se libertado das amarras que tradicionalmente nos agarram aos sítios.

Dessas visitas, dos passeios que construi para as dar a conhecer a Macau menos visível - aquela que o turista não percorre com tanta facilidade e mesmo quem cá vive nem sempre se dá ao trabalho de conhecer -, das perguntas que me fizeram, das conversas que entabulámos, não poucas vezes pela noite a dentro, ficou esta inexplicável vontade de começar (bem, recomeçar) a escrever mais sobre esta terra. Tenho vivido a cidade através da lente das máquinas fotográficas que adoptei. Tenho evitado a escrita, porque não me corre facilmente a pena quando se trata de Macau. Diferentemente, o clicar da máquina tem sido um acto orgânico, quase sempre uma espécie de imperativo. Porque a cidade muda todos os dias e não quero deixar de registar o que hoje existe e amanha já desapareceu; porque a identidade de cada metro na horizontal se modifica a cada metro que se instala na vertical; porque no brilhantismo de tanta luz de casinos há uma penumbra que quero insistentemente capturar.




E dito isto, numa evidente contradição, sinto a cidade como uma cidade de constantes retornos, de ciclos que se iniciam, para serem encerrados e imediatamente reabertos; testemunho-a como uma urbe que, na sua permanente reinvenção, subsiste inexplicavelmente imutável. Basta calcorrear as ruas ligeiramente afastadas dos seus casinos, mais ou menos novos, mais ou menos novíssimos ou ainda por construir, e desemboca-se na Macau de há anos atrás, ainda distante da actual loucura do bacarat, do poker e demais variantes de jogos de cartas, das roletas em constante movimento, das slot machines em extenuante utilização.

 

quinta-feira, 15 de agosto de 2013


Virei emigrante sem pensar muito. Para ser franca, até muito recentemente não me considerei emigrante. Saí para estudar. Saí para ir para uma organização internacional. Saí...

Fui regressando.

Desta vez, tem sido diferente. Saí para regressar a um local da minha adolescência, que moldou quem eu sou e o modo como vejo o mundo, para trabalhar num serviço público estrangeiro, enquanto "contratada ao exterior", o que em linguagem de organizações internacionais, ou de empresas que têm funcionários de várias partes do mundo, tem a denominação de "expatriada/o". Não sei de onde vem o hábito, porque a maioria é tudo menos gente sem pátria. É gente bem ligada às suas terras e gentes, mas que mantém uma ligação ainda maior com o mundo. São isso mesmo: cidadãos do mundo.

Só que, desta vez, sinto a cidadania do mundo mais distante e as saudades do meu país são mais presentes. Talvez porque veja menos o regresso. Mais distante. Menos possível.

E foi assim, sem pensar muito....

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Respirações


Pedro sentara-se na paragem do autocarro, arfava, procurava recuperar o fôlego que perdera no caminho. Correra demasiado rápido, o seu corpo não aguentava. Tivera de parar. E, agora que parara, via os autocarros a passar e as pessoas a entrarem e a saírem deles, paralisara por completo.

Além de se sentir incapaz de se mexer, apercebeu-se que não conseguia recuperar o ritmo normal da respiração. Pelo contrário. Cada pessoa que entrava no autocarro, aquele autocarro que era suposto ser o sentiu, ficava ainda com mais falta de ar. Estava a sentir que ia perder os sentidos, percebia que ficara pálido, que as suas mãos tremiam sem parar e que o seu pé direito batia continuadamente no chão.

Era como se aquela corrida, aquela paragem repentina e aquelas pessoas correspondessem a uma metáfora da sua vida. Tinha corrido a vida toda, à procura de novas oportunidades, à procura daquela felicidade que lhe parecia escapar sempre e, quando achava que o tempo já não o incomodava, que já estava sereno com as suas decisões, lá vinha alguma coisa, algum evento, que o obrigava a parar, a ver o que se passava à sua volta, e, nesse momento, era-lhe roubada a essa limitada calma…
 
A única coisa que ouvia  era o “tic, tac, tic, tac” do seu relógio.

tic- tac, tic, tac”,

tic, tac, tic, tac”
Cada vez que ouvia este som repetitivo e monótono, penava, “o tempo passa por nós e nos não damos conta”…
tic- tac, tic, tac”, “tic, tac, tic, tac”, incessante.
E mais uma pensamento aterrador: “não recuperamos o tempo perdido.”
tic- tac, tic, tac”, “tic, tac, tic, tac”, “tic- tac, tic, tac”, “tic, tac, tic, tac”, “raios, este relógio não me dá tréguas”, exclamou sem se dar conta, enquanto tentava controlar as lágrimas que ameaçavam sair descontroladamente.
Não se apercebeu que um velho estava sentado ao seu lado. Tinha-se esquecido de onde estava, enquanto se concentrava na sua respiração e procurava combater o medo que o invadira.
O velho, esse, transparecia calma e serenidade. Aquela calma e serenidade que só a idade nos dá, tão contrastante com a angústia óbvia que reflectia o rosto de Pedro, com pouco mais de 30 anos.
O velho, perante aquela exclamação, perguntou-lhe, colocando-lhe a mão no ombro, “o que se passa?”, “posso ajuda-lo”
Pedro, perante aquele acto de singela humanidade, chorou sem parar, deixou que a angústia se apoderar-se completamente de si e balbuciou “não sei o que fazer… há tanto que devia ter feito e não fiz, tantas oportunidades que não agarrei, tanta coisa que não aprendi…”, e à medida que recuperava algum controlo sobre o choro, continuou “Tenho medo. Tenho medo de nunca chegar a tempo e de não alcançar os meus sonhos.”… “tenho medo”, repetiu.
O velho sorriu. “Compreendo”, disse. “Todos passamos por isso, ao longo de toda a vida, de forma mais ou menos intensa”, acrescentou. “A verdade é, no entanto, que só no dia em que pararmos de respirar é que deixamos de ter tempo, não é? Até lá, há sempre uma hipótese de se tomar outro caminho ou concretizar um sonho, não acha? “, perguntou.
Pedro, limpou as lágrimas, e, resoluto, respondeu “tem razão”. Mas, quando lhe ia estender a mão, em agradecimento, percebeu que o velho, naqueles segundos, fechara os olhos e adormecera.
Pedro, não quis incomodar. Agradeceu baixinho, levantou-se e apanhou o autocarro que passou logo de seguida. Assim que entrou pensou “tal como apanhei este autocarro, também aproveitarei a próxima oportunidade para ser feliz”. E mais uma vez, desta vez para si mesmo, agradeceu àquele estranho que o arrancara do momento de terror.  

 

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Desejava ardentemente reter aquele sentimento de esperança. Não que fosse desconhecido; pelo contrário, sabia o quão efémero era, o quão rapidamente se iria desfazer no rodopio do quotidiano.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Diálogo

Sentou-se ao fim das escadas. Arfava. Já não era o jovem que tinha sido. Pesavam os anos, as noitadas, todas as violações das regras de bom senso para uma boa saúde (física e mental), as horas excessivas de trabalho.
Arfava e pensava: “Bolas! Nao tenho sequer 40 anos, parece que estou às portas dos 100”.
“Estúpido!” - continuava no seu diálogo interno -, “correste para nada, para bater com o nariz na porta”.
Maldita a hora que tinha decidido fazer aquela viagem, sem se lembrar que o seu passaporte poderia já não estar válido. Por melhores que fossem as razões, que certamente iria recordar no momento que entrasse no avião a caminho do seu destino, tudo lhe parecia inútil naquele momento. Perdera tempo, perdera compostura, perdera a paciência e, agora, sentado naquelas escadas, questionava todas as suas decisões - as grandes e as pequenas - que o tinham conduzido àquele momento.
E, voltava a dizer a si mesmo, em frente a porta do único serviço público que o poderia ajudar na saga do passaporte, “além de cansado, estou com uma crise existencial, também ela extemporânea aos seus 30 e poucos anos”. "Não preciso disto", e, com isto, levantou-se, resolvido a alterar tudo o que estava no seu alcance para alterar aquele estado de coisas.