domingo, 27 de maio de 2012

Perde o ar novamente.
A água escorre-lhe pelo corpo, sem lhe dar o alívio que esperava. O fim do dia e da semana pesam-lhe sobre cada um dos seus músculos e sobre cada uma das suas articulações, os pensamentos vagueiam como se de fantasmas se tratassem. E como se de fantasmas se tratassem, atormentam-na, com a persistência que só os fantasmas podem ter, porque são imunes ao conceito de “tempo”.
 Volta a respirar fundo e, novamente, falta-lhe o ar. Sabe que sairá do banho e não se reconhecerá no espelho. Sabe que sentirá medo perante essa percepção: a de que está perante uma estranha que o não devia ser. A falta de ar radica nessa certeza, na certeza de que já não sabe quem é. E que a sua humanidade não regressou com a passagem da água pelo corpo, como em tempos era possível. Também isso mudou. A sua existência em modo automático passou a dominar e o ritual diário de, com a água, despir a máscara de autómata que vestira pela manhã para se proteger, deixou de surtir efeito.

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