terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Aos amigos


Há uns tempos, uma amiga pediu-me para escrever sobre criatividade. Fi-lo com prazer e sem pensar muito no assunto, não porque não considerasse o convite importante (bem pelo contrário) ou porque a questão não exigisse reflexão (porque o exige).
Passado uns dias, dei-me conta disto mesmo: que não tinha pensado muito no assunto. As palavras tinham fluído e tinha teclado alegremente sobre a questão. Como se o meu mundo não fosse outro que não o criativo. A verdade é que não é bem assim, ou não é totalmente assim.  
Mas a naturalidade com que pensei a questão fez-me perceber que uma parte de mim que julgava adormecida, está acordada. E bem acordada.

A outra coisa – na falta de melhor palavra, confesso - que retirei desta experiência diz respeito à capacidade que as nossas amizades têm de puxar por nós. Neste caso, confirmou-se algo em que sempre acreditei: que as pessoas que nos querem bem conseguem ver sempre o que de melhor temos. E o quão gratos devemos estar por isso!





Passo a explicar, esta mesma amiga é, em grande parte, a responsável pelo o meu “reingresso” com mais consistência no mundo dito dos “criativos”, através da fotografia. Não sou fotógrafa, nem o serei. Gosto do que faço (na maior parte dos dias). Dito isto,  a fotografia tem-me permitido ver um outro mundo que não julgo ser possível ver sem ser através de uma lente, tem-me possibilitado retirar de todas as experiências algo de interessante, mesmo quando só há cinzento à volta.

Esta minha amiga tem sido, ao lado do meu pai e de m outro amigo, o meu “grilo falante”. Sempre que pego na máquina ou sempre que leio alguma coisa sobre fotografia, ou sempre que vejo uma exposição ou penso que há algum aspecto que quero fotografar, ali está a voz dela, a sussurrar palavras de coragem, e o esboço de um sorriso de apoio.

Não sei exactamente porque escrevo agora sobre isto, sobre as amizades – de uma em particular –, sobre o seu efeito nas nossas vidas. Mas acho que é porque tenho andando a pensar na razão de ser das nossas decisões e de como elas surgem por vezes de forma aparentemente inesperada, impulsionadas por coisas que (também apenas e só aparentemente) são pequenas. Assim, entre outros, como um pedido de uma amiga para escrever sobre criatividade. 

sábado, 7 de dezembro de 2013

Pequenas coisas


São geralmente as pequenas coisas que nos impelem para decisões.

Ao contrário do que nos é ensinado pela literatura, pela música, pela dança ou pelo cinema, do udo se acumulou em aparente ete amaranhado sem lgo desfocado.
ma obra pouco est porcas e os parafusos, precisamos de prestar não são os grandes momentos que  normalmente nos fazem pensar ou reflectir. São as pequenas coisas, ou, talvez melhor dito, o seu acumular.
É certo, a perda de alguém que nos é importante, o alcançar de um objectivo para o qual se trabalhou muito, o casamento nosso ou de amigos ou de quem nos é próximo, são acontecimentos marcantes para qualquer ser humano. Não neguemos o óbvio. Mas não ignoremos o que é igualmente evidente: que a vida é mais feita de pequenas coisas, de pequenos momentos do que dos outros, esses, os monumentais, bons ou maus. E são os detalhes que nos podem fazer inverter direcção, escolher outros caminhos, ou tomar a decisão que se adia, aquela que está dentro de nós há semanas, meses ou anos, que sabemos que um dia estará amadurecida o suficiente para se dar o passo em frente.

Na maioria das vezes, passamos o nosso quotidiano sem pensar nessas pequenas coisas.  Passamos os dias centrados no que nos parece ser o grande plano, e sem nos darmos conta, os aparentemente menores tornam-se quase obsessões. Cada vez mais acho que o dito grande plano raras vezes existe, ou melhor, existe enquanto colagem dos mais pequenos, que ignorados prolongadamente podem tonar-nos azedos e infelizes.




E, repetindo-me bem sei, por vezes, quando já estamos a meio do caminho, apercebemo-nos que os pequenos planos são muito mais importantes, são as porcas e parafusos do outro plano, aquele que disse que era grande. E como as porcas e os parafusos, precisamos de prestar atenção, porque se não bem apertadas ou colocadas no local correcto, pode tornar-se numa obra pouco estável. E nesse momento, voltamos a prestar atenção  aos detalhes, às pequenas coisas, aos pequenos momentos, às nossas “porcas e parafusos”, aos pequenos planos, porque o grande se tornou algo desfocado.

E é nesse momento, sem se saber exactamente como aí se chegou, quando udo se acumulou em aparente emaranhado sem lógica, tomam-se decisões, e não há outro hipótese senão executá-las. 

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Dos encontros


Este ano foi ano de visitas. Não diferente dos outros, mas com visitas que não vieram em trabalho, ou apenas em trabalho. Tive duas visitas em particular que despoletaram este texto. Amigas que, num salto de coragem, estão a viajar pelo mundo, tendo-se libertado das amarras que tradicionalmente nos agarram aos sítios.

Dessas visitas, dos passeios que construi para as dar a conhecer a Macau menos visível - aquela que o turista não percorre com tanta facilidade e mesmo quem cá vive nem sempre se dá ao trabalho de conhecer -, das perguntas que me fizeram, das conversas que entabulámos, não poucas vezes pela noite a dentro, ficou esta inexplicável vontade de começar (bem, recomeçar) a escrever mais sobre esta terra. Tenho vivido a cidade através da lente das máquinas fotográficas que adoptei. Tenho evitado a escrita, porque não me corre facilmente a pena quando se trata de Macau. Diferentemente, o clicar da máquina tem sido um acto orgânico, quase sempre uma espécie de imperativo. Porque a cidade muda todos os dias e não quero deixar de registar o que hoje existe e amanha já desapareceu; porque a identidade de cada metro na horizontal se modifica a cada metro que se instala na vertical; porque no brilhantismo de tanta luz de casinos há uma penumbra que quero insistentemente capturar.




E dito isto, numa evidente contradição, sinto a cidade como uma cidade de constantes retornos, de ciclos que se iniciam, para serem encerrados e imediatamente reabertos; testemunho-a como uma urbe que, na sua permanente reinvenção, subsiste inexplicavelmente imutável. Basta calcorrear as ruas ligeiramente afastadas dos seus casinos, mais ou menos novos, mais ou menos novíssimos ou ainda por construir, e desemboca-se na Macau de há anos atrás, ainda distante da actual loucura do bacarat, do poker e demais variantes de jogos de cartas, das roletas em constante movimento, das slot machines em extenuante utilização.